quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

II - Florbela Espanca

Meu Amor, meu Amado, vê... repara:
Pousa teus lindos olhos de ouro em mim,
- Dos meus beijos de amor Deus fez-me avara
Para nunca os contares até o fim.

Meus olhos têm tons de pedra rara,
- é só para o teu bem que os tenho assim -
E as minhas mãso são fontes de águas claras
A cantar sobre a sede de um jardim.

Sou triste como a folha ao abandono
Num parque solitário, pelo outono,
Sobre um lago onde vogam nenúfares...

Deus fez-me atravessar o teu caminho...
- Que contas dás a Deus indo sozinho,
Passando junto a mim, sem me encontrares? -

IX - Florbela Espanca

Perdi os meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!

Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? -
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel.
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...

Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...



Pour toi... mais uma vez acreditando que gostarias de ler...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

"...e se o amor que a gente teve
se atirou do céu sem rede
pode por a culpa em mim"...

Oswaldo Montenegro

A Questão é Agora - Oswaldo Montenegro

Ontem doeu, eu sei
dor que extrai da vida a graça
dor que faz do escuro um rei
dor que é tanta que não passa
onde estão seus amigos?
e o futuro é uma aurora?
acha aurora um termo antigo?
a questão, amigo, é agora
o futuro chega tarde
o passado te fugiu
tá feliz mas ainda arde
toda luz que você viu
o futuro ainda não veio
o passado foi embora
todos dois, irmãos do anseio
a questão, amigo é agora
o teu pai que já ta morto
o teu neto que virá
o teu dedo aponta torto
sem saber o que apontar
tudo está em movimento
nem o tempo é da hora
e passou, passou, lamento
a questão, amigo, é agoras
e o martírio vai passar
e o êxtase vai vir
quanto falta pra acabar?
é só viver pra descobrir
a saudade é desumana
e a ânsia te devora
é o tempo que te engana
a questão, amigo, é agora
o retrato na parede
dói mais forte no Natal
o futuro não se pede
se desenha num cristal
com o sangue da serpente
com o mau cheiro da demora
mas esquece atrás e à frente
a questão, amigo, é agora.

sábado, 5 de janeiro de 2008

"...QUE VONTADE ENORME DE DIZER OUTRA VEZ MEU AMOR, DEPOIS DE TANTO TEMPO, TANTO MEDO"...


Caio Fernando Abreu

Trecho do texto Meio Silêncio - Caio Fernando Abreu

"...Mas era nos olhos, só nos olhos, que se fixava aquele mudo apelo, aquele grito. Nem sei. Aquela clara maldição. Saí, saiu. Não dissemos nada. Eu só tenho esperas. Ele traz a tranquilidade de nada mais esperar.

Um menino. Aquele ar espantado. Um pouco trêmulo. Cigarro atrás de cigarro. Tenho medo de tocá-lo. De quebrá-lo.

Eu disse: a lua está tão bonita que me dói por dentro. Ele não entendeu. É tudo tão bonito que me dói e pesa. Fico pensando que nunca mais vai se repetir, é só uma vez, a única, e vai me magoar sempre.

Ele está a meu lado. Então me olha sério, por um instante abalado, depois ri e diz: desista. Positivamente o cinismo não fica bem em você. E se com essa citação só quer mostrar que já leu Sartre, eu também já li. Por que feri? Por que feriu? Por que estamos dizendo coisas que não sentimos nem queremos?

"Um menino assustado querendo mascarar o medo com a agressividade. Um menino. Curvo-me para ele. Tão esguio que meus braços o rodeariam por completo. Por um instante ele ficaria inteiro preso dentro dos meus limites."

O rosto dele próximo do meu. Mais adivinho do que vejo o verde dos olhos deslizando pelas órbitas. A sua mão toca no meu ombro, sobe pelo pescoço, me alcança a face, brinca com a orelha, alcança os cabelos. O seu corpo cola-se ao meu. A sua boca vem baixando devagar, vencendo barreiras, colando-se à minha, de leve, tão de leve que receio um movimento, um suspiro, um gesto, mesmo um pensamento. Estou em branco como a noite. Ele me abraça. Ele está perto.

Ergue o braço lentamente, afunda as mãos nos cabelos de outro. E de súbito um vento mais frio os faz encolherem-se juntos, unidos no mesmo abraço, na mesma espera desfeita, no mesmo medo. Na mesma margem.


Do livro O Inventário do Irremediável

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

De Perto - Herbert Vianna

Não quero estar nesse lugar
e ver você partir
eu quero te esperar aonde você quer ir
te receber
te acomodar
te oferecer a mão
poder cantar, te acompanhar ao violão

quero te ver de perto
quero dizer que o nosso amor deu certo


não sei viver só e sem sonhar
sem fé, sem ter alguém
faz tempo que eu te espero
e que te quero bem
sonho em fazer pro nosso amor
uma bela canção
que me traga paz sem culpa
ao coração

quero te ver de perto
quero dizer que o nosso amor deu certo...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

De mim para Ele

Volto a me alimentar de ti
Te absorvo no pouco
Desse imenso amor
Que ainda te guardo.
Volto a beber de ti
Dessa vez, em pequenos goles
Porque minha sede é tanta
E sei que posso me afogar
No turbulento mar que é você.
Volto a te sentir em mim
Assumo, com toda a culpa,
Que nunca havia te deixado ir
Que ainda te quero aqui
Mesmo sem te saber como ou quando.
Volto a te desejar
Com paixão, violência e fúria
Quase aterrorizada com toda a força dessa tempestade que se anuncia em mim,
Porque nunca fui tão pura
Mesmo coberta de pecados,
O corpo maculado por outras mãos que não as tuas.
Eu sempre te pertenci
Porque nunca encontrei uma forma
De me tomar de ti...


Rosana Ribeiro

P/ J.L., aquele que me habita.