sábado, 23 de outubro de 2010


Meu sorriso envelhece a cada vez que lembro do teu rosto, do teu gosto... E sou menos e mais frágil entre a névoa que acondiciona tua ausência nos meus dias doídos de saudade... O que ainda brilha em mim são os cristais que pusestes em meus olhos e que agora carrego por caminhos irregulares, espalhando pelo chão vez por outra, quando penso que ninguém observa. Não... Não tenho me comportado... Ainda lambo tuas sobras que ficaram em mim...

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Abimo Pectore


Os carros passavam numa velocidade assombrosa enquanto ela olhava a rua da janela de seu apartamento. Era um dia nublado, num sábado à tarde, de um mês qualquer. Ela mesma não se importava com calendários, já que aprendera a viver um dia de cada vez, por isso era indiferente às datas.
Em seu coração, habitava um sentimento libertador de paz. Mesmo com o fim, sentia-se livre, principalmente para esperar por algo maior e talvez tão inusitado quanto o fim, que, mesmo quando o soube próximo, evitou enxergar os sinais. Mas agora ela esperava. Algo tão imenso e violento quanto sua perda, queria testar seus limites, mesmo que fosse através dos próprios sentimentos, queria saber o quanto suportaria. Tinha uma sede imensa de se atirar ao mundo, sorvendo tudo de uma só vez, mesmo correndo o risco de se engasgar. Ela queria os riscos. Sabia-se kamikase e aceitava em si o que os outros achavam loucura.
Afastando-se da janela, percorreu a sala com os pés descalços. Hoje, tudo para ela era uma experiência única de sentidos. Queria estar desperta para a vida, para quando chegasse o fim, este não a tomasse de assalto. Odiava surpresas. Sua vida sempre fora planejada com dias de antecedência. Rasgara suas agendas. Não queria mais saber de relógios ou calendários. Queria apenas ter a liberdade de sentir e de viver de acordo com suas próprias regras. Esse era o seu jogo. E era um jogo que jamais poderia perder, já que jogava por e contra si mesma.
Tocou suavemente a orquídea que, solitária, dava um ar gracioso à sala. Suas pétalas frágeis possuíam uma resistência paradoxal. Notou que seus dedos tremiam enquanto sentia uma fisgada em seu peito. Lembrou-se que seu pai dizia que corações não doem. Mais uma mentira. O seu doía quase que constantemente, como se quisesse lembra-la de que ainda existia, quando parecia escutar uma voz que há muito se calara para ela, quando pensava em calor e lhe vinha à mente a lembrança do abraço para sempre perdido. Seus dedos saltaram das pétalas da flor e tocaram seu pulso onde as palavras em latim foram tatuadas. Era tudo o que lhe restara, o que estaria para sempre guardado no fundo do seu coração.


Rosana Ribeiro
05.Junho.2005
Para Jean Luvisoto.

Como se mata um sonho


Ele olhava atentamente para o caixão no salão vazio. A criança que ali se deitava era muito parecida com o que ele fora há muito tempo, mas ele não tinha coragem de se aproximar. Tinha medo de tocar o menino e ter a certeza de que mortos são reais.
Mesmo sem conseguir desviar os olhos do caixão, seu olhar estava perdido diante de tamanho absurdo. Lembrava-se da época em que brincava na rua com seus amigos, quando ganhou seu primeiro violão e sonhava em ser músico, mostrar ao mundo que ele também podia ser alguém, alguém que ele queria realmente ser. Mas isso havia sido há muitos anos, antes mesmo de vender sua alma e entregar seus sonhos. Por isso não conseguia se reconhecer naquele menino.
A gravata o sufocava, mas preferiu não tira-la, o incômodo o lembraria de que estava vivo, e era disso que precisava agora. Como não havia ninguém no salão, apenas tirou o paletó e sentou-se no chão com as pernas cruzadas, como fazia quando criança. Pelo menos assim, o rosto do menino, de olhos fechados e de semblante triste, sairia do seu campo de visão.
Sem perceber, lágrimas grossas começaram a escorrer pelo seu rosto e ele não sabia dizer se era de tristeza ou frustração, ou os dois. A dor era tão grande que queria gritar, mas um nó se formava na sua garganta e o calava.
De repente, a porta se abriu devagar e uma mulher entrou. Os olhos que sempre brilharam hoje pareciam apagados. A pele clara agora era de uma palidez quase mortal, como a do menino. Ela sentou-se na sua frente e por alguns instantes evitou encara-lo. Quando os olhos se encontraram, toda a dor, de todos os anos até ali, simplesmente desapareceu. As mãos da mulher estavam gélidas ao tocar as suas e lembrou-se de que ela sempre sentira muito frio. Sentiu uma vontade imensa de abraça-la e tira-la dali, daquele mundo absurdo que ele havia escolhido quando decidiu seguir por outro caminho. Será que ele ainda poderia voltar?
A mulher se levantou e prostrou-se diante do caixão onde estava o filho. Beijou-o na testa e segurou suas mãozinhas. Num gesto instintivo, o homem cobriu aquelas mãos com as suas e perguntou à mulher porquê ela jamais havia dito que ele tinha um filho, acreditando que assim, pela criança, também teria motivos para lutar pelos seus sonhos que há muito foram deixados para trás porque havia acreditado que seria melhor assim. Mas não foi. Condenou-se a uma existência vazia, querendo voltar sempre para os braços daquela mulher, para seu sonho e para a vida que enfrentariam juntos, mas acabava sendo atropelado pelos acontecimentos que o mantiveram longe, cada vez mais longe...
Ela olhou em seus olhos e, por um instante, ele imaginou ter visto o velho brilho em seu olhar. Ela nunca havia dito que ele tinha um filho porque depois daquele homem, a criança era seu maior tesouro, porque era todo ele, não só nos traços físicos, mas nos gestos, no sorriso, no olhar, e ela havia se contentado com isso, com o seu amor vivo na forma daquela criança.
Lentamente, ela retirou as mãos debaixo das mãos do homem. Não conseguia mais chorar, nem pelo homem nem pelo filho. Estava mortalmente ferida, embora soubesse que iria se recuperar das grandes perdas. O homem fez menção de acompanha-la e ela o impediu. Seguiria sozinha dali para frente, como ele a havia deixado anos atrás. Porque agora, nada mais importava, o sonho dos dois estava morto.



Rosana Ribeiro
31.Maio.2005
Para Jean Luvisoto.

Do Saber


A mão dele era pequena demais ao ponto de desaparecer entre a sua, mas mesmo assim ela a segurava firme. De vez em quando, passava a mão livre pela testa para eliminar o suor que ameaçava escorrer pelo seu rosto e a limpava no vestido. Pelo canto do olho, observava o filho.
_ Falta muito, mãe?
Ela o encarou e tentou esboçar um sorriso. De repente estancou e a criança a olhou com curiosidade.
_ Não... Estamos quase chegando...
Seu coração estava apertado. Se pudesse descreve-lo, diria que estava sangrando por uma ferida mortal. Queria poder enfiar a mão no peito e arranca-lo para exterminar aquela dor insuportável. Mas continuou andando. O suor continuava teimando em escorrer pelo seu rosto.
Mais uma vez, olhou para o chinelo surrado que o menino calçava, a roupa já pequena para o seu tamanho e puída pelo tempo e pelo uso, faziam-na ter a certeza de que havia tomado a decisão correta. E quem garante que as mães realmente sabem o que é melhor para os filhos? Essa era a pergunta que não saía de sua mente nas últimas horas.
Ao longe avistou o portão da casa que era o seu destino. Nessa hora se perguntou se teria coragem de ir até o fim. Sabia que era preciso. Mas a medida que se aproximava da casa, suas forças iam abandonando-a, suas pernas tremiam e o suor se tornava frio e mais abundante.
Numa questão de segundos, lembrou-se nitidamente dos últimos cinco anos desde o nascimento de seu filho. Achou que ia sufocar com a dor. A mãozinha escorregava da sua e ela apertava mais forte.
Parou diante do portão e a mulher, distinta e bem vestida, já a esperava. Queria um último momento com o filho. Tentou dizer em três palavras tudo o que ele representava. Impossível conter as lágrimas naquela hora.
Entregou seu filho à mulher enquanto ele a olhava, inquisidor. A senhora lhe estendeu o pacote e ela o recusou, deixando a outra espantada. Para onde iria não precisaria de dinheiro. O câncer em fase terminal havia limitado sua existência junto ao filho e a única coisa que poderia lhe oferecer era o futuro. Um futuro que ela não tinha mais.


Rosana Ribeiro

Do dom de encantar


Um pouco mais de Cecília Meireles...

"Eu canto porque o instante existe
E minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste: sou poeta".


Perfeito por ser tão simples e sintetizar exatamente o que me vem na alma nos últimos tempos: a sensação de quase plenitude pelo simples fato de sentir e de ser tanto...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Desventura


"Tu és como o rosto das rosas:
diferente em cada pétala.

Onde estava o teu perfume?
Ninguém soube.
Teu lábio sorriu para todos os ventos e o mundo inteiro ficou feliz.

Eu, só eu encontrei a gota de orvalho que te alimentava,
como um segredo que cai do sonho.

Depois, abri as mãos - e perdeu-se.
Agora creio que vou morrer..."


CECÍLIA MEIRELES

domingo, 25 de abril de 2010


Ainda me sobressalto com qualquer ruído na porta da sala, ainda acho que a qualquer momento você vai entrar por ali, como sempre antes, como se nada tivesse acontecido, como se o que aconteceu não tivesse importância. Pra mim já não tem mais, eu juro. Passo horas sentada no teu lugar no sofá, olhando a porta... E você não passa por ela. Então eu me levanto e continuo percorrendo a casa, ainda repleta da tua presença, como faço sempre desde que você se foi. É estranho não te ver ali. Mesmo depois de tanto tempo. Anos...
Comecei a ver os filmes que você sempre insistira para que eu assistisse junto contigo. Fico imaginando teus comentários, fico lembrando da tua mão na minha, minha cabeça no teu peito, tuas broncas porque cochilei numa parte que você achava importante, que faria toda a diferença para entender o filme, e eu sempre resmungando, querendo dormir um pouco mais. Nunca tinha pensado o quanto era importante pra você que eu participasse de tudo aquilo que você julgava realmente importante, ainda que fosse um simples filme. Nunca tinha entendido de verdade o quanto você queria compartilhar tuas coisas comigo. Você me abriu as portas do teu mundo e eu sempre achei que podia esperar para entrar, que elas continuariam abertas pra mim. Mas elas se fecharam.
Ainda folheio os livros que você deixou, mas não os leio. Doeria demais, mesmo depois de tanto tempo, passar os olhos pelas mesmas linhas por onde os teus passaram. E mesmo tendo passado tanto tempo, ainda acredito que você vai aparecer para buscá-los. Ou ligar avisando que vem. Dizer que posso ficar com eles, então, que você já colocou outros no lugar, que não tem importância. Será que nessa hora, se ela existir, vou aceitar, finalmente, que estou sozinha, ao contrário do que você tinha prometido que seria? Eu bem que queria...
Você deixou a camiseta da tua banda preferida em cima da cama quando saiu. Durmo com ela quase todas as noites como sempre gostei de fazer com tuas camisetas. O teu lado da cama continua com os dois travesseiros. Ainda deixo o cinzeiro no banquinho ao lado e sempre que vou dormir, levo tua água pro quarto. Ela amanhece intacta. Eu devia ter entendido o quão grandes eram os pequenos gestos que passam despercebidos, que acabam se acumulando no peito até virar nó na garganta e calar. Quando percebi, você já não tinha mais nada pra me dizer.
Umas das horas em que mais dói, tanto e uma dor tão funda que mesmo esses anos não conseguiram amenizar, é quando lembro do teu sorriso e dos teus olhos. Teus olhos de som e cor. Teus olhos que sempre sorriram junto com teu riso. Penso também no teu olhar de dor quando saiu... Tua dor era muda, escorria pelos teus olhos como pergunta silenciosa... Eu não faria nada para te impedir de ir? Eu não fiz... Achei que as noites de vinho, música e poesia no chão da sala não se perderiam nunca. Achei que tuas músicas para sempre falariam de nós. Achei que meus sorrisos, que você sempre gostou, iluminariam teus dias, sempre. Achei que você sempre saberia sem que fosse preciso eu dizer, por isso me calei tantas vezes. Perdoa...
Perdoa por eu ainda te esperar com o teu vinho guardado no armário da cozinha. Perdoa por manter tua escova de dentes ao lado da minha no espelho do banheiro. Tua toalha também continua ali. Organizei tuas músicas no arquivo do computador. Por ordem alfabética, assim fica mais fácil pra você encontrar o que quer. Eu nunca mais liguei o som. Ouço as músicas que sempre gostamos, as que você descobria e corria pra me mostrar, as que eu gostava e fazia você escutar, todas na minha lembrança. Elas ainda ecoam nítidas demais. Mesmo depois de tanto. Perdoa por não te mandar as coisas que eu escrevo, elas vão se acumulando por aqui.
Eu aprendi a trocar o gás de cozinha pra te impressionar quando você voltar. Coloco o café na tua xícara mesmo sem você nunca ter sabido que quando você saía, eu continuava tomando o café nela. Eu sempre te quis muito perto. Escrevo bilhetes e deixo na porta da geladeira para lembrar de regar as plantas como você queria. Parei de fazer dieta, não sinto mais fome mesmo, mas compro sempre teus queijos, tuas castanhas, tua cerveja. Você deixou coisas demais aqui pra não voltar.


ROSANA RIBEIRO
Novembro.2009
P/ Jean Luvisoto. Porque é pra sempre...como tudo de nós...e tudo o que foi feito pra durar...

Fica em mim, sempre, a sensação física de adoecer num rompante quando te vais, mesmo eu sabendo inevitável esse momento. Fica em mim, no corpo que nem tua fome e a minha consomem, o peso insuportável da tua presença ao avesso, porque estás aqui, não só dentro de mim, mas no único abrigo que julguei seguro para me esconder, para tentar me refazer das feridas que até mesmo você me causou. Fica em mim a fúria que já não contenho, tudo o que me ultrapassa, nada mais me delimita a não ser tua própria pele quando estás aqui... e estás sempre aqui... ainda que seja só tua sombra, teus pequenos rastros sutis...
Fica na garganta sempre o que é mais amargo, o que anestesia o paladar, porque neste caminho o gosto que conheço é o da tua saliva misturada à minha, o sal do teu suor, tua carne entre meus dentes. Desaprendi tudo o que não é você e que não me alimenta. Preciso do teu ar pra respirar, do contrário, morro em asfixia lenta e dolorosamente. E meu olhar se torna vago, esgazeado de dor à espera da tua imagem novamente nas minhas retinas. Minhas mãos vivem estendidas aguardando teu corpo morno, fonte e abismo, e cada vez que me perco em ti é quando mais me encontro inteira. Nada mais sei ser sem ti, fora de ti, nem mesmo metade.
Fica sempre aqui quando te vais a sombra pálida do que sou quando estou contigo. Nada existe que possa me resgatar do abismo que me lanças quando te vais, enquanto te espero, enquanto me calo e de olhos baixos evito que vejas que nada mais trago nas mãos, nem sonhos nem esperança...


24.Outubro.2009
P/ Jean Luvisoto. Por ser metade de tudo o que há em mim...Abimo pectore...pra sempre.

Sei de ti no extremo oposto desse outro mundo diverso que teima em tecer sua trama intrincada para nos manter cada qual no seu canto. Eu sei de ti porque tu me chegas inteiro e intenso a despeito da distância que muitas vezes insiste em se instalar entre nós. Eu sei de ti porque tu também me sabes, tu me sentes, eu te sinto como se o gestasse, então tu és meu, não o filho, mas o amor que surge visceral e imenso, e ainda que eu te parisse mil vezes, outras mil eu precisaria para que em mim tu fosses um pouco menos, tu me chegasses menor em fúria e necessidade, em mim tu habitasses algumas frestas a menos. Seria preciso que o tempo existisse de uma outra forma, que os dias que se transformam em semanas, as semanas em meses, os meses em anos, desintegrassem as memórias do que foi vivido a ponto do passado tornar-se página em branco. Ainda assim, em mim tu serias sempre instintivo, ainda que eu não o recordasse de todo em completa nitidez de fatos, tu me serias, como serás para sempre, o meu norte, meu guia, tudo aquilo que me define, o que é em mim definitivo, imutável. Em mim tu és o ponto final das minhas incansáveis buscas, aquele que me completa e me deixa repleta de sentido. Tu és quem eu sempre busquei, antes mesmo de nos descobrirmos...

P/ Jean Luvisoto. Porque todas as palavras conhecidas são rasas, pequenas, para sintetizar o quanto há em nós... Abimo pectore.

Chovia. Chovia torrencialmente naquela noite. A fúria do mundo na água que caía do céu cinza-chumbo. Ela olhava tudo pela janela. O vidro começando a embaçar. Ela parada no mesmo lugar sem saber ao certo quanto tempo havia se passado. E o que importava? Nem o tempo nem o fato de permanecer no mesmo lugar. Não agora. Não mais há algum tempo. Estava ali sem saber se olhava para a enxurrada correndo rente à calçada da rua ou os carros que passavam lentos. Era como se o mundo chorasse junto com ela a sua própria perda, do lado de fora da sua janela, da sua vida, seu consolo e alívio eram aquela tempestade, os raios e trovões gritando quando ela há muito tinha esgotado suas forças. Na fúria natural do mundo encontrava eco para seu grito mudo.
Seus pés descalços sentiam o frio do piso como se ele pudesse penetrar nos ossos. Saiu de perto da janela, tateando sobre a mesa próxima o maço de cigarros e o isqueiro. Ao seu redor a escuridão era entrecortada pelos relâmpagos...as luzes que iluminavam a rua...tudo lá fora...
Sentada no sofá, sabia de cor, mesmo no escuro, que uma parte da parede estava descascada, logo embaixo do beiral da janela. Na floreira da mesma janela as plantas mortas jaziam encharcadas pela água da chuva que caía há dias sem cessar. Pelas paredes da casa seus medos escorriam deixando marcas amareladas por onde passavam, como se fossem arranhões profundos, embora ela soubesse que dessa vez nunca cicatrizariam. A cidade se parecia com ela: sempre cinza, sem qualquer espaço para um céu limpo e o vento sempre se encarregava de levar mais alguma coisa que acreditava haver sobrado pra si. Dali a pouco nada mais.
A água da chuva que caía lá fora não entraria dentro da sua sala, era certo. E nem era preciso mesmo. As suas lágrimas misturavam-se aos medos. Tudo escorria pelas paredes, pelo piso sob seus pés. Inundavam tudo. Era uma náufraga de si mesma.
Ao seu lado no sofá, além do cinzeiro cheio, a caixa. Laço de fita desfeito várias vezes, refeito outras tantas. Sobrava sempre a caixa destampada... E lá dentro, o vazio, um imenso nada: o seu dia. Depois que ele se fora, nunca soube o que fazer com o seu dia. Então ele ficava li, inerte como ela, sem sentido como ela, inútil como todo o resto naquela casa, até mesmo ela. Ele jazia ali ao seu lado naquela sala inundada enquanto o mundo parecia desabar lá fora. Irremediavelmente.


Rosana Ribeiro
12.janeiro.2010

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Carícia


Este é um texto de um escritor paulistano do qual sou mais uma fã! Parabéns Eduardo Bszczyn!

Azar. O arame farpado sempre esteve debaixo da minha pele. No mesmo lugar. Há os que nunca descobrem e vão embora. Mas há os que, na falta de sorte, se cortam cedo. Rasgam o dedo na primeira carícia.

http://coisasdagaveta.blogspot.com