quarta-feira, 26 de março de 2008


"Dizem que existe um tipo de pássaro que não tem pernas. Ele nunca pára de voar. Quando se cansa, dorme no vento. Este pássaro só pousa uma vez na vida. Quando ele morre".


Do filme chinês Dias Selvagens

quarta-feira, 19 de março de 2008


O seu abraço eu quase sinto. De vez em quando. De vez em quando, fecho meus olhos e já não sei se imagino ou sinto você chegando por trás, manso, pisoteando minha sombra no meio de uma tarde qualquer, só para me enlaçar pela cintura, rasgando meu pescoço com teu beijo, mistura de ternura e fome. E se eu abrir os olhos, o calor da tua boca úmida de saliva e sal e cigarro e tua sede insana de mim, vai estar ali, no meu pescoço, ainda que tu não estejas atrás de mim, esmagando minha sombra com tua própria sombra e teu corpo. Se eu olhar para trás, tua sombra vai estar ali, fundida à minha numa conjunção indelével no meio de uma tarde qualquer. Não importa qual tarde seja. Sei que haverá sol dentro, a despeito das tempestades que assolam a cidade nesse final de primavera.
Se me esforço um pouco mais, permito que a tarde se vá e dê lugar à noite, enquanto me recosto na cadeira de balanço do quarto, livro aberto sobre meu colo enquanto analiso a última frase lida. Sorrio, então. E meu riso sai porque imagino, não, não imagino, me lembro do teu olhar pousado atentamente sobre mim. Uma mulher de cabelos escuros na cadeira de balanço. E só de te imaginar tão perto, tão ali na minha frente, no mesmo cômodo, sinto a boca seca como numa ressaca de mil mares. E não há teu beijo, que é do que realmente tenho sede. Quero te beber, mansa, sôfrega, não sei, só sei que te quero inundando minha boca, descendo quente e fresco pela minha garganta. Te quero dentro. Mas não há você nem teu beijo. Nem vinho tinto ou conhaque. Só café amargo e o último trago no cigarro.
Desisto de imaginar. Me deito ao lado da tua imagem na cama. Vem, dorme comigo hoje. Já é madrugada e você ainda me dói de vez em quando. Sorri pra mim teu riso de encantador de serpentes, de mágico que esconde o segredo do mais simples de todos os truques, teu riso de doçura e certeza, teu riso por mim, de mim, teu riso de alívio. Enquanto sorris, deixo uma ou duas lágrimas escaparem dos meus olhos, um soluço me sacudir nos teus braços enquanto me apertas mais forte e me entendes, da maneira silenciosa que sempre foi nossa, que choro para deixar escapar um pouco do muito que me dói, para aliviar um pouco o meu cansaço, que é o cansaço dos meus pés exaustos das estradas...



Rosana

20.Novembro.2007


P/ Jean Luvisoto, sempre, pra sempre. Abimo Pectore.

Há dias assim, dias em que toda a minha tempestade se transforma em calmaria, em que o fundo se torna mais fundo simplesmente por não avançar. Há dias em que é preciso calar, recitar versos só no pensamento, relembrar, deixar que as palavras novamente floresçam, calmamente... Há dias, tantos deles que só nós sabemos, que apenas um olhar é o bastante para desnudar a alma, transcender fronteiras, romper barreiras. Há dias em que tuas mãos me oferecem flores, noutros, partem em busca de amparo, o teu refúgio seguro, e encontram. Há dias em que quero guardar meus segredos, noutros, preciso gritar ao vento a fúria que me corrói as vísceras. Há dias em que me perco e não espero que me encontres. Há dias em que apenas me pertenço. Há dias em que disponho mesa farta, um verdadeiro banquete de dúvidas, erros, acertos, mágoas, risos, lágrimas e um amor guardado. Há dias em que não espero por nenhum convidado. Eu mesma me dou de comer.


Rosana

19.março.2008


P/ Jean Luvisoto. Abimo Pectore, sempre.
(escutando John Legend enquanto mais uma tempestade se forma... dessa vez, fora de mim...)

terça-feira, 18 de março de 2008


Não te atrevas a quebrar meu pesado silêncio com teus passos trôpegos, hesitantes, de quem nunca soube bem para onde iria. Deixe-me aqui, bordando em delicados fios as palavras nunca ditas sobre minha pele cinza de ausência.

Não te espantes com o mutismo. Desaprendi as lágrimas, os risos, as palavras. Restou-me o silêncio, um punhado de dores, um amontoado de lembranças esmaecidas pelo tempo. Restou-me tu também.Pálida sombra que me acompanha. Às vezes me assusto. Noutras até esqueço e nem me incomodo. Apenas intriga-me o fato de estares em tudo ao meu redor, como se, sem ti, nenhuma vida houvesse. Então percebo que escolheste viver em minhas entranhas, que além de mim, do corpo que te abriga, não conheces caminho algum.



Rosana

18.Março.2008


P/ Jean Luvisoto, amor, amigo, senhor até mesmo das minhas palavras... Abimo Pectore.