quinta-feira, 3 de março de 2011

Dos Castelos


“...quando a gente precisa que alguém fique, a gente constrói qualquer coisa, até um castelo”. Caio Fernando Abreu

Os meus lábios ainda estão coloridos da tua saliva. Pousadas neles, há as marcas dos teus beijos que sempre foram para mim como pássaros em revoada antes do pouso. Há as marcas dos teus dentes. O sangue escorrendo vermelho a dor da ausência.
Nos meus lábios ainda ressoam as súplicas e murmúrios, o desejo, sempre sôfrego, de te absorver, te viver por dentro, te conhecer inteiro. Os meus lábios se entreabrem em busca do ar que me falta, te sugam no vento, hálito morno que me chega e dilacera e me lembra as mentiras que me destes. A mentira evapora. As tuas insistem em ficar. Meus lábios não têm força para perguntar o porquê. E eu também não me importo. Silencio apenas. Deixo que teus beijos mortos sepultem meus lábios e me calem. Nem prece haverá.
A ti, o que ofereço hoje são apenas minhas tristezas, todas elas as causastes, as ofereço em meus olhos para que as acolhas em teus braços, embalando-as no impreciso espaço entre teu ombro e teu peito, entoando canções para que as dores das feridas acabem por adormecer, aliviando o sofrimento que me destes como herança. Tu semeastes a fúria de uma tempestade de assombros e destes as costas. Hoje é a sombra que segue todos os passos nos teus dias de horas que se repetem sempre iguais, vazias de sentido.
Tu, que condiciona teus pés no caminho errado, anestesia os braços pela falta de abraços, perde o rumo, nada enxerga além da escuridão que fizeste ao teu redor, que contorna e toma conta de todos os teus espaços; tu, que sentes o frio e o espanto de te olhares no espelho e nada veres além de mim fundida em ti, repleta dos teus cansaços... Te fazes de louco, esperas que teu grito rouco estilhace as vidraças que circundam teu vazio, espaço que destinastes para encerrar teus sonhos que apodrecem um a um, enquanto ao redor faz-se um muro de pedras construído pelas tuas desculpas vestidas de impossibilidades. De longe eu sorrio...lábios trêmulos e hesitantes. Continuas tão belo quanto tolo. Não vês meus braços ainda estendidos para ti, na ponta dos dedos a crueldade da distância. Meu olhar te machuca porque hoje tentas sair das grades atrás das quais tu mesmo te encerraste. Meus olhos te machucam por te mostrarem as feridas que tu mesmo causastes e são tantas e tão fundas. Tu sabes, tão claro, que jamais serei em ti o laço que desatas...

Rosana Ribeiro 02.março.2011

P/ Jean Luvisoto, abimo pectore, sempre, pra sempre.