quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Da Fragilidade

O que há em nós de fragilidade, parece ameaçar a todo instante se romper, estilhaçar-se sobre esse chão que julgamos firme e onde vamos compondo, em dores e delicadezas, essa história que nos pertence. E tudo à nossa volta parece se banhar em nuances cinzentas e sombrias porque o momento seguinte pode não estar ali, e nos acreditamos preparados para a perda, para a queda fatal, mas no fundo sabemos que não estamos, nunca estaremos, jamais aprenderemos a nos desabitar, raiz que nos tornamos um no outro, um para o outro.
O que há em nós de fragilidade parece, a todo momento, nos cravar punhais no peito, instalando na garganta o nó que muitas vezes nos cala porque sabemos que ainda há tanto a dizer, haverá sempre, e sempre haverá em nós a sensação de que palavras são desnecessárias diante de tanto, tornando pesado o silêncio, ensurdecendo para qualquer outro som, outro tom que não o da tua voz para mim ou da minha voz para ti.
O que há em nós de fragilidade tece teias invisíveis à nossa volta, recria o sentido do indivisível, do intransponível, o que não ousamos enfrentar. Infiltra-se com suas raízes tal qual a hera nos muros que criamos ao nosso redor, que julgamos um dia nos proteger de nós mesmos, ignorando, inutilmente, as fissuras criadas pelas nossa fugas vãs.
O que há em mim de fragilidade formula perguntas cujas respostas temo conhecer, pois conhecendo, deixarei que o sol se ponha muito mais cedo no meu horizonte, deixarei que a noite me recolha para que eu possa fechar meus olhos e esquecer das vezes que, pretensamente, julguei adivinhar teus sorrisos de chegada e partida, sempre tão perto dos meus lábios, perdendo-se dos meus beijos no ar móvel em que segues ainda e todos os dias desde então.
O que há em mim de fragilidade despede-se da realidade sempre que encontro diante de mim teus olhos de som e cor, que revivo o ritmo da tua respiração em meu pescoço, como se nenhum outro ar pudesse te alimentar senão repleto do meu cheiro. Esqueço-me do quanto sabes dos meus olhos, dos meus sonhos, da espera em que me coloco todas as noites, indagando quantas estações se inaugurarão e quantas findarão até que teus passos sejam pássaros ao lado dos meus.
O que há de fragilidade em mim, me retalha em postas e quando penso que não há dor maior do que todas as dores que já conheci, eu descubro que tu ainda podes me doer bem mais, toda vez que tento arrancar da minha memória uma a uma das tuas frases...
O que há em mim de fragilidade reluta em implorar pelo teu peito – meu céu de sempre, teus lábios para que eu possa despejar além dos meus beijos, todos os sorrisos que ficaram guardados à tua espera.
O que há em mim de fragilidade teme a distância que parece se instalar entre nós vez por outra, teme que um dia apenas encontre um amontoado de pétalas secas onde existiram flores, vasos partidos e barcos que se perdem na distância de dias tristes...


Para Jean Luvisoto, meu francesinho, amor maior... Abimo Pectore, sempre, pra sempre.

sexta-feira, 25 de julho de 2008


Não. Não é que a dor me doa mais que em todos os outros dias, não. Mas é que hoje, acintosamente, tua ausência avançou pelo meu mundo um pouco mais, com leves passos, tingindo de negro o que já era cinza.
Essa mesma ausência dormita em meu leito, ocupa o espaço que é teu, onde desejei vezes sem conta que estivesses. Se não fosse por ela, teu peito abrigaria meu cansaço, delimitaria meu espaço e em ti eu seria o que sequer sabia. Quando a madrugada se apoderasse das familiares horas noturnas, tu me aninharias qual delicada flor e, como pétalas, minhas costas fariam um convite para que teus dedos ágeis refizessem o caminho percorrido por teus lábios. Eu repousaria o cansaço, os temores, a fome em teus braços, único abrigo conhecido. Da tua boca eu beberia de ti, do teu silêncio, da tua fúria contida há tanto. Tua boca me daria a saliva, o sal, o prumo, o rumo, teu gosto e o meu. Teus olhos atentos estariam pousados em mim, sempre incrédulos, nunca mansos. Neles, ninguém além de mim, veria teu brilho ambarino, teus olhos de som e cor. Do teu corpo eu faria um porto, onde o meu permaneceria ancorado, saciado, repleto de ti. Do meu ventre reverberariam as cintilâncias da tua lua deserta e necessária. Na minha boca entreaberta estaria o teu nome, minha prece, o calor do teu corpo moreno de deserto, o gosto da tua carne, a avidez que me consome. E tudo isso ainda nos doeria... Mas talvez assim, hoje não me doesse tanto a tua ausência, cruel e sorrateira, tangível e indelével, que tinge meus dias com as cores do nada...


P/ Jean Luvisoto, meu menino de nome francês, minha alma igual... Abimo pectore, sempre... pra sempre...

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Amanhece o dia. Eu, exausta e rouca, percebo que meus gritos por socorro te chegam mudos. Sempre. Ainda estendo as mãos na vaga esperança que um dia elas, petrificadas há tanto, não toquem mais apenas o vazio, que te encontrem no caminho. Mas até mesmo teu vulto se esquiva, deixando para trás o rastro vacilante, impreciso daqueles que querem ficar, daqueles que não têm mais para onde ir, daqueles que ainda precisam se esconder.
Teu silêncio me transforma em estátua de sal e em meu rosto se transfigura uma máscara macabra, cujos lábios se contorcem num esgar horrível, mistura de dor e vazio. Entre culpa e pecado, faço-me viúva-negra, atraindo presas para uma teia que sequer teço sozinha; crédulas, não imaginam que a crueldade que me ensinastes é minha defesa. E é aquilo que me fere mais fundo.

P/ Jean Luvisoto. Sempre.

segunda-feira, 28 de abril de 2008


Os dias tingem-se de cinza enquanto entremeio os retalhos de preciosas memórias às longas horas de espera, fios de aço que ainda me atam pelos pés.
Onde antes havia um sorriso sempre fresco, há uma boca crispada num ricto, mistura de dor e nada.
As mãos se ocupam em cerzir os fragmentos soltos da história e desmanchá-los uma vez, e depois outra, e mais outra, e sempre que a fisgada no peito se torna mais aguda. Há muito o nó na garganta calou a voz.
Poeira e cinzas se acumulam no chão dos cômodos vazios, repletos da tua ausência disfarçada que finjo ignorar. São flores murchas, desfolhadas, quase secas que me ofertas nesses braços onde antes havia um mundo inteiro e eu não sabia o que era medo. E nas linhas das tuas mãos, meu destino fora traçado, atado firmemente ao teu. Mas desviastes a rota. Deixastes que eu seguisse perdida até de mim num universo estranho e hostil. Te abortastes de mim sem se importar com a dor lenta e funda de quem tem que aprender a parir ao revés. Recolhestes da minha vida teu corpo, mas deixastes aqui tua sombra, tua alma entranhada à minha e não me foi dado conhecer o motivo.
Minto quando finjo que não te vejo espreitando-me pelas minhas frestas, esgueirando-se pelos meus cantos, buscando, talvez, alimentar-se do pouco que ainda resiste. Tu, que me deixaste retalhada em postas, mantém-se alheio às chagas que não saram e não sangram, não estende as mãos sabendo-se doença e cura. Apenas observa enquanto continuo a lamber as feridas que jamais cicatrizarão.
Volto a atenção para o sol que surge pálido e distante e frio no horizonte. Sinto, ainda, como se em mim te gestasse mil vezes, agonizando uma prenhez sem parto, onde te sei meu e não te vejo e nem te toco a não ser em mim mesma e é tão pouco.
Não é o aço que nos mantêm atados. Ainda são nossas mãos entrelaçadas em dias e noites que se perderam no tempo e teimam em não seguir sem nós.


Rosana

Abril.2008


P/ Jean Luvisoto. Abimo Pectore.

Das Tempestades


A chuva forte desabava lá fora. Relâmpagos rasgavam o céu escuro, trovões retumbavam na noite. Tudo era violência e fúria. Até o céu reclamava. Até a noite ensurdecia o silêncio. Raios que repudiavam a escuridão.
O telefone não tocava. O espelho refletia a imagem e ainda assim não importava. Há pouco ela trancara a porta. Ninguém passaria mesmo por ela.
A chuva caía furiosa. As flores no vaso morreram e ela não ousava jogá-las fora. Uma pilha de roupas largadas num canto do quarto. O descaso. Fotos na parede, na sala, as roupas dele que empilhara junto com as dela, a toalha usada no banheiro. Não queria tocá-la. Ainda não suportava a ausência. Dele, nem sinal de fumaça. Ela, que não mais caminhava em sua direção, permanecia imóvel na cama onde ele não se deitava mais. Há quanto tempo? Esquecera de contar os dias, mas havia contado todas as horas e sabia que foram muitas!...
Mais um gole de vinho. Descia acre pela garganta. Queria a viscosidade do sangue, seus dentes cravados na carne dele. Queria gritos, pratos se quebrando numa briga, queria deles a mesma fúria da tempestade que caía lá fora. Mas a casa continuava em silêncio, os ponteiros do relógio avançavam. Ela permanecia calada, quieta, tentando desfazer o nó na garganta com mais um gole de vinho. Não adiantava. Nada mais. Nem mesmo a sua volta. Ela não queria.
Os pés descalços percorreram a casa no escuro, iluminada apenas pelos relâmpagos. Mais um cigarro. Uma fisgada na boca do estômago. Olhos secos, vítreos, fixos na janela. Sentia o vazio pesar como nunca imaginara que pudesse ser.
A campanhia soou junto com mais um trovão. Ele, do outro lado da porta, tão molhado quanto as ruas lá fora, uma mala na mão, o olhar ansioso. O som invadindo o precioso silêncio em que ela havia se colocado desde que ele se fora. O coração dele descompassado do outro lado da porta. Ela já nem tinha mais sangue correndo em suas veias. Não tinha sede, não tinha sono, não sabia que horas eram, só que era muito tarde. Tarde demais.
Mais um toque na campanhia. Um relâmpago. Um trovão. Achou melhor tentar dormir. Não recebia mais estranhos em casa.



Rosana


Outubro.2007
P/ Jean Luvisoto. Sempre. Abimo Pectore, pra sempre.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Daquilo que nunca se perdeu...


Amo-te. Amo-te e sou hoje toda entrega. Dei-te minhas luzes, não escondi as sombras que espreitavam pelas frestas. E me quisestes mesmo assim. Avançastes pelos meus cômodos escuros sem medo algum, singrastes meus mares bravios, enfrentastes as tempestades que sou. Descobriu-me rio, fonte límpida onde matas tua sede, cachoeira onde banhas teu corpo moreno de deserto.

Amo-te e sou hoje toda espera. Horas maturando o tempo, dias que vão, noites que chegam enquanto teço em delicados fios a colcha de nossas preciosas memórias. Sou espera e ouço estalar em meu peito o eco dos teus passos.

Amo-te e sou hoje toda delicadeza. Pétalas frágeis de flor, farfalhar das asas de beija-flor, som de odes em harpa.

Amo-te e sou hoje toda lascívia. Corpo branco que te oferto, seios que te fartam, umidade entre as coxas que te enlaçam e mostram onde é teu lugar. Pêlos que se eriçam, desejo que exala pelos poros, é na minha boca que encontras o ópio para alimentar nosso vício.

Amo-te e sou hoje toda fúria, fera à espera da presa, dentes afiados cravados na tua carne, unhas que te retalham em postas, navalha esquartejando teus temores, tuas dores, teu mundo seguro. Sangro-te e sorvo das tuas veias o que me é necessário, me tornei filha de Nosferatu.

Amo-te em todas as palavras que te dou, jóias únicas incapazes de te traduzir, todas se repetem e te descrevem em belezas. Teus olhos de som e cor, melodia da tua voz que estilhaça o meu silêncio em mil pedaços, tua pele morna, teu cheiro de sal e sol, teu gosto de madureza. Sei também das tuas sombras e não as temo, amo-te apenas.

Amo-te e sou hoje a fé dos cristãos, a blasfêmia mais forte dos hereges, a culpa de todos os pecadores, sou a bênção da nossa redenção.

Amo-te lembrança, presença, urgência. Amo-te até naquilo que não sei, o que pressinto, o que em ti é meu espelho.

Amo-te, vivo-te, sinto-te.


Rosana


Para Jean Luvisoto, o meu menino de nome francês... Amigo, amor, amparo, abrigo, o que existe de maior e melhor em mim "desde então"... Abimo Pectore, pra sempre.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Se puder, sem medo


Deixa em cima dessa mesa a foto que eu gostava

Pr'eu pensar que teu sorriso envelheceu comigo

Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha

Pra que eu fotografe assim meu verdadeiro abrigo

Deixa a luz do quarto acesa e a porta entreaberta

O lençól amarrotado, mesmo que vazio

Deixa a toalha na mesa e a comida pronta

Só na minha voz não mexa, eu mesmo silencio...

Deixa o coração falar o que que calei um dia

Deixa a casa sem barulho achando que ainda é cedo

Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia

Deixa tudo como está e se puder, sem medo...

Deixa tudo o que lembrar, eu finjo que esqueço

Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa

Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito

Pra dizer te vendo ir fechando atrás a porta

Deixa o que não for urgente e que eu ainda preciso

Deixa o meu olhar doente pousado sobre a mesa

Deixa ali teu endereço, qualquer coisa aviso

Deixa o que fingiu levar mas deixou de surpresa

Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo

Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande

Deixa ao menos uma vez eu fingir que consigo

Se o adeus demora, a dor no coração se expande

Deixa o disco na vitrola pr'eu pensar que é festa

Deixa a gaveta trancada pr'eu não ver tua ausência

Deixa a minha insanidade, é tudo o que me resta

Deixa eu pôr à prova toda a minha resistência

Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro

Deixa eu contar que era farsa a minha voz tranquila

Deixa pendurada a calça de brim desbotada

Que, como esse nosso amor, ao menor vento oscila

Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa

Deixa o último recado na casa vizinha

Deixa de sofisma e vamos ao que interessa

Deixa a dor que lhe causei, agora é toda minha

Deixa tudo o que eu não disse mas você sabia

Deixa o que você calou e eu tanto precisava

Deixa o que era inexistente e eu pensei que havia

Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava...



Oswaldo Montenegro

quarta-feira, 26 de março de 2008


"Dizem que existe um tipo de pássaro que não tem pernas. Ele nunca pára de voar. Quando se cansa, dorme no vento. Este pássaro só pousa uma vez na vida. Quando ele morre".


Do filme chinês Dias Selvagens

quarta-feira, 19 de março de 2008


O seu abraço eu quase sinto. De vez em quando. De vez em quando, fecho meus olhos e já não sei se imagino ou sinto você chegando por trás, manso, pisoteando minha sombra no meio de uma tarde qualquer, só para me enlaçar pela cintura, rasgando meu pescoço com teu beijo, mistura de ternura e fome. E se eu abrir os olhos, o calor da tua boca úmida de saliva e sal e cigarro e tua sede insana de mim, vai estar ali, no meu pescoço, ainda que tu não estejas atrás de mim, esmagando minha sombra com tua própria sombra e teu corpo. Se eu olhar para trás, tua sombra vai estar ali, fundida à minha numa conjunção indelével no meio de uma tarde qualquer. Não importa qual tarde seja. Sei que haverá sol dentro, a despeito das tempestades que assolam a cidade nesse final de primavera.
Se me esforço um pouco mais, permito que a tarde se vá e dê lugar à noite, enquanto me recosto na cadeira de balanço do quarto, livro aberto sobre meu colo enquanto analiso a última frase lida. Sorrio, então. E meu riso sai porque imagino, não, não imagino, me lembro do teu olhar pousado atentamente sobre mim. Uma mulher de cabelos escuros na cadeira de balanço. E só de te imaginar tão perto, tão ali na minha frente, no mesmo cômodo, sinto a boca seca como numa ressaca de mil mares. E não há teu beijo, que é do que realmente tenho sede. Quero te beber, mansa, sôfrega, não sei, só sei que te quero inundando minha boca, descendo quente e fresco pela minha garganta. Te quero dentro. Mas não há você nem teu beijo. Nem vinho tinto ou conhaque. Só café amargo e o último trago no cigarro.
Desisto de imaginar. Me deito ao lado da tua imagem na cama. Vem, dorme comigo hoje. Já é madrugada e você ainda me dói de vez em quando. Sorri pra mim teu riso de encantador de serpentes, de mágico que esconde o segredo do mais simples de todos os truques, teu riso de doçura e certeza, teu riso por mim, de mim, teu riso de alívio. Enquanto sorris, deixo uma ou duas lágrimas escaparem dos meus olhos, um soluço me sacudir nos teus braços enquanto me apertas mais forte e me entendes, da maneira silenciosa que sempre foi nossa, que choro para deixar escapar um pouco do muito que me dói, para aliviar um pouco o meu cansaço, que é o cansaço dos meus pés exaustos das estradas...



Rosana

20.Novembro.2007


P/ Jean Luvisoto, sempre, pra sempre. Abimo Pectore.

Há dias assim, dias em que toda a minha tempestade se transforma em calmaria, em que o fundo se torna mais fundo simplesmente por não avançar. Há dias em que é preciso calar, recitar versos só no pensamento, relembrar, deixar que as palavras novamente floresçam, calmamente... Há dias, tantos deles que só nós sabemos, que apenas um olhar é o bastante para desnudar a alma, transcender fronteiras, romper barreiras. Há dias em que tuas mãos me oferecem flores, noutros, partem em busca de amparo, o teu refúgio seguro, e encontram. Há dias em que quero guardar meus segredos, noutros, preciso gritar ao vento a fúria que me corrói as vísceras. Há dias em que me perco e não espero que me encontres. Há dias em que apenas me pertenço. Há dias em que disponho mesa farta, um verdadeiro banquete de dúvidas, erros, acertos, mágoas, risos, lágrimas e um amor guardado. Há dias em que não espero por nenhum convidado. Eu mesma me dou de comer.


Rosana

19.março.2008


P/ Jean Luvisoto. Abimo Pectore, sempre.
(escutando John Legend enquanto mais uma tempestade se forma... dessa vez, fora de mim...)

terça-feira, 18 de março de 2008


Não te atrevas a quebrar meu pesado silêncio com teus passos trôpegos, hesitantes, de quem nunca soube bem para onde iria. Deixe-me aqui, bordando em delicados fios as palavras nunca ditas sobre minha pele cinza de ausência.

Não te espantes com o mutismo. Desaprendi as lágrimas, os risos, as palavras. Restou-me o silêncio, um punhado de dores, um amontoado de lembranças esmaecidas pelo tempo. Restou-me tu também.Pálida sombra que me acompanha. Às vezes me assusto. Noutras até esqueço e nem me incomodo. Apenas intriga-me o fato de estares em tudo ao meu redor, como se, sem ti, nenhuma vida houvesse. Então percebo que escolheste viver em minhas entranhas, que além de mim, do corpo que te abriga, não conheces caminho algum.



Rosana

18.Março.2008


P/ Jean Luvisoto, amor, amigo, senhor até mesmo das minhas palavras... Abimo Pectore.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Poemas de Caio Fernando Abreu

Tenho a boca afiada de punhais
não choro
olho os faróis com duros olhos
ardidos de quem tem febres
mas não sangro
as mãos vazias deixam passar o vento
lavando os dedos que não se crispam
não há palavras, nem mesmo estas
o único sentido de estar aqui
é apenas estar secamente aqui
cravado como um prego
em plena carne viva da tarde.

JULHO.1980


Como um silêncio teu
no corpo da madrugada
estruturado o espanto
arquitetura da mágoa
na noite - brilho de espera
na esfera - manhã fugindo

Eu que desvendei
as searas do cansaço
numa floresta de busca
encontrado involuntário
Amigo
eu que te espero renovado em espanto
o jeito branco como um cavalo no escuro.


Pour toi, mon chér... pois sei o quanto gostou de Caio...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Dos três mal amados - João Cabral de Melo Neto (trecho)

"O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte".

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O AMOR NÃO FOI FEITO PARA COVARDES.

Sérgio Savian

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

II - Florbela Espanca

Meu Amor, meu Amado, vê... repara:
Pousa teus lindos olhos de ouro em mim,
- Dos meus beijos de amor Deus fez-me avara
Para nunca os contares até o fim.

Meus olhos têm tons de pedra rara,
- é só para o teu bem que os tenho assim -
E as minhas mãso são fontes de águas claras
A cantar sobre a sede de um jardim.

Sou triste como a folha ao abandono
Num parque solitário, pelo outono,
Sobre um lago onde vogam nenúfares...

Deus fez-me atravessar o teu caminho...
- Que contas dás a Deus indo sozinho,
Passando junto a mim, sem me encontrares? -

IX - Florbela Espanca

Perdi os meus fantásticos castelos
Como névoa distante que se esfuma...
Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
Quebrei as minhas lanças uma a uma!

Perdi minhas galeras entre os gelos
Que se afundaram sobre um mar de bruma...
- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? -
Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel.
Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...

Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...



Pour toi... mais uma vez acreditando que gostarias de ler...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

"...e se o amor que a gente teve
se atirou do céu sem rede
pode por a culpa em mim"...

Oswaldo Montenegro

A Questão é Agora - Oswaldo Montenegro

Ontem doeu, eu sei
dor que extrai da vida a graça
dor que faz do escuro um rei
dor que é tanta que não passa
onde estão seus amigos?
e o futuro é uma aurora?
acha aurora um termo antigo?
a questão, amigo, é agora
o futuro chega tarde
o passado te fugiu
tá feliz mas ainda arde
toda luz que você viu
o futuro ainda não veio
o passado foi embora
todos dois, irmãos do anseio
a questão, amigo é agora
o teu pai que já ta morto
o teu neto que virá
o teu dedo aponta torto
sem saber o que apontar
tudo está em movimento
nem o tempo é da hora
e passou, passou, lamento
a questão, amigo, é agoras
e o martírio vai passar
e o êxtase vai vir
quanto falta pra acabar?
é só viver pra descobrir
a saudade é desumana
e a ânsia te devora
é o tempo que te engana
a questão, amigo, é agora
o retrato na parede
dói mais forte no Natal
o futuro não se pede
se desenha num cristal
com o sangue da serpente
com o mau cheiro da demora
mas esquece atrás e à frente
a questão, amigo, é agora.

sábado, 5 de janeiro de 2008

"...QUE VONTADE ENORME DE DIZER OUTRA VEZ MEU AMOR, DEPOIS DE TANTO TEMPO, TANTO MEDO"...


Caio Fernando Abreu

Trecho do texto Meio Silêncio - Caio Fernando Abreu

"...Mas era nos olhos, só nos olhos, que se fixava aquele mudo apelo, aquele grito. Nem sei. Aquela clara maldição. Saí, saiu. Não dissemos nada. Eu só tenho esperas. Ele traz a tranquilidade de nada mais esperar.

Um menino. Aquele ar espantado. Um pouco trêmulo. Cigarro atrás de cigarro. Tenho medo de tocá-lo. De quebrá-lo.

Eu disse: a lua está tão bonita que me dói por dentro. Ele não entendeu. É tudo tão bonito que me dói e pesa. Fico pensando que nunca mais vai se repetir, é só uma vez, a única, e vai me magoar sempre.

Ele está a meu lado. Então me olha sério, por um instante abalado, depois ri e diz: desista. Positivamente o cinismo não fica bem em você. E se com essa citação só quer mostrar que já leu Sartre, eu também já li. Por que feri? Por que feriu? Por que estamos dizendo coisas que não sentimos nem queremos?

"Um menino assustado querendo mascarar o medo com a agressividade. Um menino. Curvo-me para ele. Tão esguio que meus braços o rodeariam por completo. Por um instante ele ficaria inteiro preso dentro dos meus limites."

O rosto dele próximo do meu. Mais adivinho do que vejo o verde dos olhos deslizando pelas órbitas. A sua mão toca no meu ombro, sobe pelo pescoço, me alcança a face, brinca com a orelha, alcança os cabelos. O seu corpo cola-se ao meu. A sua boca vem baixando devagar, vencendo barreiras, colando-se à minha, de leve, tão de leve que receio um movimento, um suspiro, um gesto, mesmo um pensamento. Estou em branco como a noite. Ele me abraça. Ele está perto.

Ergue o braço lentamente, afunda as mãos nos cabelos de outro. E de súbito um vento mais frio os faz encolherem-se juntos, unidos no mesmo abraço, na mesma espera desfeita, no mesmo medo. Na mesma margem.


Do livro O Inventário do Irremediável

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

De Perto - Herbert Vianna

Não quero estar nesse lugar
e ver você partir
eu quero te esperar aonde você quer ir
te receber
te acomodar
te oferecer a mão
poder cantar, te acompanhar ao violão

quero te ver de perto
quero dizer que o nosso amor deu certo


não sei viver só e sem sonhar
sem fé, sem ter alguém
faz tempo que eu te espero
e que te quero bem
sonho em fazer pro nosso amor
uma bela canção
que me traga paz sem culpa
ao coração

quero te ver de perto
quero dizer que o nosso amor deu certo...

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

De mim para Ele

Volto a me alimentar de ti
Te absorvo no pouco
Desse imenso amor
Que ainda te guardo.
Volto a beber de ti
Dessa vez, em pequenos goles
Porque minha sede é tanta
E sei que posso me afogar
No turbulento mar que é você.
Volto a te sentir em mim
Assumo, com toda a culpa,
Que nunca havia te deixado ir
Que ainda te quero aqui
Mesmo sem te saber como ou quando.
Volto a te desejar
Com paixão, violência e fúria
Quase aterrorizada com toda a força dessa tempestade que se anuncia em mim,
Porque nunca fui tão pura
Mesmo coberta de pecados,
O corpo maculado por outras mãos que não as tuas.
Eu sempre te pertenci
Porque nunca encontrei uma forma
De me tomar de ti...


Rosana Ribeiro

P/ J.L., aquele que me habita.