terça-feira, 1 de abril de 2008

Se puder, sem medo


Deixa em cima dessa mesa a foto que eu gostava

Pr'eu pensar que teu sorriso envelheceu comigo

Deixa eu ter a tua mão mais uma vez na minha

Pra que eu fotografe assim meu verdadeiro abrigo

Deixa a luz do quarto acesa e a porta entreaberta

O lençól amarrotado, mesmo que vazio

Deixa a toalha na mesa e a comida pronta

Só na minha voz não mexa, eu mesmo silencio...

Deixa o coração falar o que que calei um dia

Deixa a casa sem barulho achando que ainda é cedo

Deixa o nosso amor morrer sem graça e sem poesia

Deixa tudo como está e se puder, sem medo...

Deixa tudo o que lembrar, eu finjo que esqueço

Deixa e quando não voltar eu finjo que não importa

Deixa eu ver se me recordo uma frase de efeito

Pra dizer te vendo ir fechando atrás a porta

Deixa o que não for urgente e que eu ainda preciso

Deixa o meu olhar doente pousado sobre a mesa

Deixa ali teu endereço, qualquer coisa aviso

Deixa o que fingiu levar mas deixou de surpresa

Deixa eu chorar como nunca fui capaz contigo

Deixa eu enfrentar a insônia como gente grande

Deixa ao menos uma vez eu fingir que consigo

Se o adeus demora, a dor no coração se expande

Deixa o disco na vitrola pr'eu pensar que é festa

Deixa a gaveta trancada pr'eu não ver tua ausência

Deixa a minha insanidade, é tudo o que me resta

Deixa eu pôr à prova toda a minha resistência

Deixa eu confessar meu medo do claro e do escuro

Deixa eu contar que era farsa a minha voz tranquila

Deixa pendurada a calça de brim desbotada

Que, como esse nosso amor, ao menor vento oscila

Deixa eu sonhar que você não tem nenhuma pressa

Deixa o último recado na casa vizinha

Deixa de sofisma e vamos ao que interessa

Deixa a dor que lhe causei, agora é toda minha

Deixa tudo o que eu não disse mas você sabia

Deixa o que você calou e eu tanto precisava

Deixa o que era inexistente e eu pensei que havia

Deixa tudo o que eu pedia mas pensei que dava...



Oswaldo Montenegro

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