segunda-feira, 28 de abril de 2008


Os dias tingem-se de cinza enquanto entremeio os retalhos de preciosas memórias às longas horas de espera, fios de aço que ainda me atam pelos pés.
Onde antes havia um sorriso sempre fresco, há uma boca crispada num ricto, mistura de dor e nada.
As mãos se ocupam em cerzir os fragmentos soltos da história e desmanchá-los uma vez, e depois outra, e mais outra, e sempre que a fisgada no peito se torna mais aguda. Há muito o nó na garganta calou a voz.
Poeira e cinzas se acumulam no chão dos cômodos vazios, repletos da tua ausência disfarçada que finjo ignorar. São flores murchas, desfolhadas, quase secas que me ofertas nesses braços onde antes havia um mundo inteiro e eu não sabia o que era medo. E nas linhas das tuas mãos, meu destino fora traçado, atado firmemente ao teu. Mas desviastes a rota. Deixastes que eu seguisse perdida até de mim num universo estranho e hostil. Te abortastes de mim sem se importar com a dor lenta e funda de quem tem que aprender a parir ao revés. Recolhestes da minha vida teu corpo, mas deixastes aqui tua sombra, tua alma entranhada à minha e não me foi dado conhecer o motivo.
Minto quando finjo que não te vejo espreitando-me pelas minhas frestas, esgueirando-se pelos meus cantos, buscando, talvez, alimentar-se do pouco que ainda resiste. Tu, que me deixaste retalhada em postas, mantém-se alheio às chagas que não saram e não sangram, não estende as mãos sabendo-se doença e cura. Apenas observa enquanto continuo a lamber as feridas que jamais cicatrizarão.
Volto a atenção para o sol que surge pálido e distante e frio no horizonte. Sinto, ainda, como se em mim te gestasse mil vezes, agonizando uma prenhez sem parto, onde te sei meu e não te vejo e nem te toco a não ser em mim mesma e é tão pouco.
Não é o aço que nos mantêm atados. Ainda são nossas mãos entrelaçadas em dias e noites que se perderam no tempo e teimam em não seguir sem nós.


Rosana

Abril.2008


P/ Jean Luvisoto. Abimo Pectore.

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