quarta-feira, 19 de março de 2008


O seu abraço eu quase sinto. De vez em quando. De vez em quando, fecho meus olhos e já não sei se imagino ou sinto você chegando por trás, manso, pisoteando minha sombra no meio de uma tarde qualquer, só para me enlaçar pela cintura, rasgando meu pescoço com teu beijo, mistura de ternura e fome. E se eu abrir os olhos, o calor da tua boca úmida de saliva e sal e cigarro e tua sede insana de mim, vai estar ali, no meu pescoço, ainda que tu não estejas atrás de mim, esmagando minha sombra com tua própria sombra e teu corpo. Se eu olhar para trás, tua sombra vai estar ali, fundida à minha numa conjunção indelével no meio de uma tarde qualquer. Não importa qual tarde seja. Sei que haverá sol dentro, a despeito das tempestades que assolam a cidade nesse final de primavera.
Se me esforço um pouco mais, permito que a tarde se vá e dê lugar à noite, enquanto me recosto na cadeira de balanço do quarto, livro aberto sobre meu colo enquanto analiso a última frase lida. Sorrio, então. E meu riso sai porque imagino, não, não imagino, me lembro do teu olhar pousado atentamente sobre mim. Uma mulher de cabelos escuros na cadeira de balanço. E só de te imaginar tão perto, tão ali na minha frente, no mesmo cômodo, sinto a boca seca como numa ressaca de mil mares. E não há teu beijo, que é do que realmente tenho sede. Quero te beber, mansa, sôfrega, não sei, só sei que te quero inundando minha boca, descendo quente e fresco pela minha garganta. Te quero dentro. Mas não há você nem teu beijo. Nem vinho tinto ou conhaque. Só café amargo e o último trago no cigarro.
Desisto de imaginar. Me deito ao lado da tua imagem na cama. Vem, dorme comigo hoje. Já é madrugada e você ainda me dói de vez em quando. Sorri pra mim teu riso de encantador de serpentes, de mágico que esconde o segredo do mais simples de todos os truques, teu riso de doçura e certeza, teu riso por mim, de mim, teu riso de alívio. Enquanto sorris, deixo uma ou duas lágrimas escaparem dos meus olhos, um soluço me sacudir nos teus braços enquanto me apertas mais forte e me entendes, da maneira silenciosa que sempre foi nossa, que choro para deixar escapar um pouco do muito que me dói, para aliviar um pouco o meu cansaço, que é o cansaço dos meus pés exaustos das estradas...



Rosana

20.Novembro.2007


P/ Jean Luvisoto, sempre, pra sempre. Abimo Pectore.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Luciana Cecchini disse...

Bonito, profundo, cheio de sentimento. Você escreve muito bem, hein... adorei quando fala das sombra. Tudo muito lindo mesmo!

Abraço!

luci:)))