domingo, 25 de abril de 2010


Ainda me sobressalto com qualquer ruído na porta da sala, ainda acho que a qualquer momento você vai entrar por ali, como sempre antes, como se nada tivesse acontecido, como se o que aconteceu não tivesse importância. Pra mim já não tem mais, eu juro. Passo horas sentada no teu lugar no sofá, olhando a porta... E você não passa por ela. Então eu me levanto e continuo percorrendo a casa, ainda repleta da tua presença, como faço sempre desde que você se foi. É estranho não te ver ali. Mesmo depois de tanto tempo. Anos...
Comecei a ver os filmes que você sempre insistira para que eu assistisse junto contigo. Fico imaginando teus comentários, fico lembrando da tua mão na minha, minha cabeça no teu peito, tuas broncas porque cochilei numa parte que você achava importante, que faria toda a diferença para entender o filme, e eu sempre resmungando, querendo dormir um pouco mais. Nunca tinha pensado o quanto era importante pra você que eu participasse de tudo aquilo que você julgava realmente importante, ainda que fosse um simples filme. Nunca tinha entendido de verdade o quanto você queria compartilhar tuas coisas comigo. Você me abriu as portas do teu mundo e eu sempre achei que podia esperar para entrar, que elas continuariam abertas pra mim. Mas elas se fecharam.
Ainda folheio os livros que você deixou, mas não os leio. Doeria demais, mesmo depois de tanto tempo, passar os olhos pelas mesmas linhas por onde os teus passaram. E mesmo tendo passado tanto tempo, ainda acredito que você vai aparecer para buscá-los. Ou ligar avisando que vem. Dizer que posso ficar com eles, então, que você já colocou outros no lugar, que não tem importância. Será que nessa hora, se ela existir, vou aceitar, finalmente, que estou sozinha, ao contrário do que você tinha prometido que seria? Eu bem que queria...
Você deixou a camiseta da tua banda preferida em cima da cama quando saiu. Durmo com ela quase todas as noites como sempre gostei de fazer com tuas camisetas. O teu lado da cama continua com os dois travesseiros. Ainda deixo o cinzeiro no banquinho ao lado e sempre que vou dormir, levo tua água pro quarto. Ela amanhece intacta. Eu devia ter entendido o quão grandes eram os pequenos gestos que passam despercebidos, que acabam se acumulando no peito até virar nó na garganta e calar. Quando percebi, você já não tinha mais nada pra me dizer.
Umas das horas em que mais dói, tanto e uma dor tão funda que mesmo esses anos não conseguiram amenizar, é quando lembro do teu sorriso e dos teus olhos. Teus olhos de som e cor. Teus olhos que sempre sorriram junto com teu riso. Penso também no teu olhar de dor quando saiu... Tua dor era muda, escorria pelos teus olhos como pergunta silenciosa... Eu não faria nada para te impedir de ir? Eu não fiz... Achei que as noites de vinho, música e poesia no chão da sala não se perderiam nunca. Achei que tuas músicas para sempre falariam de nós. Achei que meus sorrisos, que você sempre gostou, iluminariam teus dias, sempre. Achei que você sempre saberia sem que fosse preciso eu dizer, por isso me calei tantas vezes. Perdoa...
Perdoa por eu ainda te esperar com o teu vinho guardado no armário da cozinha. Perdoa por manter tua escova de dentes ao lado da minha no espelho do banheiro. Tua toalha também continua ali. Organizei tuas músicas no arquivo do computador. Por ordem alfabética, assim fica mais fácil pra você encontrar o que quer. Eu nunca mais liguei o som. Ouço as músicas que sempre gostamos, as que você descobria e corria pra me mostrar, as que eu gostava e fazia você escutar, todas na minha lembrança. Elas ainda ecoam nítidas demais. Mesmo depois de tanto. Perdoa por não te mandar as coisas que eu escrevo, elas vão se acumulando por aqui.
Eu aprendi a trocar o gás de cozinha pra te impressionar quando você voltar. Coloco o café na tua xícara mesmo sem você nunca ter sabido que quando você saía, eu continuava tomando o café nela. Eu sempre te quis muito perto. Escrevo bilhetes e deixo na porta da geladeira para lembrar de regar as plantas como você queria. Parei de fazer dieta, não sinto mais fome mesmo, mas compro sempre teus queijos, tuas castanhas, tua cerveja. Você deixou coisas demais aqui pra não voltar.


ROSANA RIBEIRO
Novembro.2009
P/ Jean Luvisoto. Porque é pra sempre...como tudo de nós...e tudo o que foi feito pra durar...

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