domingo, 25 de abril de 2010


Chovia. Chovia torrencialmente naquela noite. A fúria do mundo na água que caía do céu cinza-chumbo. Ela olhava tudo pela janela. O vidro começando a embaçar. Ela parada no mesmo lugar sem saber ao certo quanto tempo havia se passado. E o que importava? Nem o tempo nem o fato de permanecer no mesmo lugar. Não agora. Não mais há algum tempo. Estava ali sem saber se olhava para a enxurrada correndo rente à calçada da rua ou os carros que passavam lentos. Era como se o mundo chorasse junto com ela a sua própria perda, do lado de fora da sua janela, da sua vida, seu consolo e alívio eram aquela tempestade, os raios e trovões gritando quando ela há muito tinha esgotado suas forças. Na fúria natural do mundo encontrava eco para seu grito mudo.
Seus pés descalços sentiam o frio do piso como se ele pudesse penetrar nos ossos. Saiu de perto da janela, tateando sobre a mesa próxima o maço de cigarros e o isqueiro. Ao seu redor a escuridão era entrecortada pelos relâmpagos...as luzes que iluminavam a rua...tudo lá fora...
Sentada no sofá, sabia de cor, mesmo no escuro, que uma parte da parede estava descascada, logo embaixo do beiral da janela. Na floreira da mesma janela as plantas mortas jaziam encharcadas pela água da chuva que caía há dias sem cessar. Pelas paredes da casa seus medos escorriam deixando marcas amareladas por onde passavam, como se fossem arranhões profundos, embora ela soubesse que dessa vez nunca cicatrizariam. A cidade se parecia com ela: sempre cinza, sem qualquer espaço para um céu limpo e o vento sempre se encarregava de levar mais alguma coisa que acreditava haver sobrado pra si. Dali a pouco nada mais.
A água da chuva que caía lá fora não entraria dentro da sua sala, era certo. E nem era preciso mesmo. As suas lágrimas misturavam-se aos medos. Tudo escorria pelas paredes, pelo piso sob seus pés. Inundavam tudo. Era uma náufraga de si mesma.
Ao seu lado no sofá, além do cinzeiro cheio, a caixa. Laço de fita desfeito várias vezes, refeito outras tantas. Sobrava sempre a caixa destampada... E lá dentro, o vazio, um imenso nada: o seu dia. Depois que ele se fora, nunca soube o que fazer com o seu dia. Então ele ficava li, inerte como ela, sem sentido como ela, inútil como todo o resto naquela casa, até mesmo ela. Ele jazia ali ao seu lado naquela sala inundada enquanto o mundo parecia desabar lá fora. Irremediavelmente.


Rosana Ribeiro
12.janeiro.2010

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