sábado, 14 de fevereiro de 2009

Da Espera


O conhaque repousava no copo à sua frente e o cigarro queimava entre os dedos sem que o tragasse. O olhar era vago, perdido por entre as lembranças, tudo aquilo que lhe voltava à mente com incrível nitidez e velocidade. Pelo menos seu pensamento poderia seguir a direção que quisesse. Talvez chegar até onde ela estivesse agora, a mulher de cabelos negros e olhos de cor indefinida, perdida numa cidade estranha, guardada para si num tempo onde não se conjuga qualquer verbo.
A única coisa em que conseguia pensar era na voz. Assustadoramente real. Hoje ela deixara de ser apenas uma lembrança. Assumia agora uma proporção imensurável em si mesmo, ela, que sempre fora tanto. A voz lhe chegara aos ouvidos violenta, quente, próxima demais, dedo numa ferida, chaga exposta. Um soco no estômago teria doído menos e não o deixaria assim, com olhar catatônico. Ela ainda era seu veneno, sua mandrágora, o ópio que espalha o torpor lentamente. Se estendesse as mãos chegaria a tocá-la. Seu corpo todo parecia feito de chumbo, pesando inerte no sofá da sala banhada em silêncio e escuridão no meio da madrugada fria.
Quantos anos se passaram até aquele momento em que ele pudera ouvi-la de novo? Os dias passaram lentos, somando-se uns aos outros. A espera não findava, ela não voltava e ele ainda sangrava.
Talvez ela fosse mesmo irreal, um sonho, uma visão, mas sabia que era o corpo no qual sempre quisera entregar todo o seu cansaço. O mesmo corpo que agora tomava forma em sua frente. Já nem precisava dormir, sonhava acordado em todas as horas do seu dia, buscava a presença nas ruas por onde ela não mais seguia. Fora ela todo o seu amor e dor maior. Perda dolorosa que nem mesmo o tempo podia levar de si, tamanha sua força. Era da escuridão que ela surgia em si mesmo, inundando seu mundo com a luz daqueles olhos.
Era seu tormento e seu consolo. Sua própria paz habitava nela, assim como sua alma que seguia em desespero desde que ela se fora. Sem qualquer aviso. Sem qualquer despedida. E se agora ressurgia em sua vida, a queria, sim, da maneira mais absurda e visceral e que independia até mesmo de sua própria vontade. Sua vida, que não era a vida que queria, não a comportava, justo ela, aquela mulher que desejava mais que tudo.
Naquela tarde soubera que sempre a esperara, definitiva em sua coragem de se entregar mais uma vez ao que era improvável. Soubera que ela sempre seria o exílio necessário que não mais temia.
O sol começava a rasgar com seus raios o dia que surgia. Um dia a menos longe dela, que logo voltaria. E o encontraria à sua espera. Como sempre estivera.



P/ Jean Luvisoto. Amor sempre, pra sempre. Abimo Pectore.

Nenhum comentário: