segunda-feira, 2 de novembro de 2009


Procurei tantas formas pra dizer, na verdade, usei todas as que conhecia, e algumas que eu só tinha ouvido falar. Testei todas. Todo esse tempo. Nenhuma surtiu efeito. Todas deram errado. Ou será que fui eu quem não as disse de um jeito certo?
Te avisei dos passos em falso. Dos tropeços. Você justificou dizendo que talvez fosse assim mesmo. Mas eu sabia que não. Não era pra ser. Não vindo de nós. Mas, afinal de contas, o que tínhamos de tão especial? Você não disse nada. Nem entendeu. Desatento, passou ignorando as vírgulas, os pontos de exclamação, as reticências quando eu já estava cansada demais para continuar tentando. Você ignorou até mesmo meu esforço durante tantos e tão longos anos... Tudo bem...
Sei que você viu o copo transbordar, isso você não vai negar. Você notou o tremor das minhas mãos mesmo quando tentei disfarçar. Você viu a distância se instalar, de maneira abrupta muitas vezes. Você estava lá, vendo minhas mãos estendidas à espera de ajuda. Você não se moveu. Observou impassível meu desespero, meu descontrole, todo os meus temores. Você ouviu todos os clamores, todos os chamados, os pedidos apavorados. Você viu meus olhos esgazeados de dor e olhou para o outro lado. Você me deixou sangrar sozinha uma dor que me fez acreditar que era também a tua. Você se tornou o fatal punhal cravado nas minhas costas. Seguiu enquanto eu agonizava. Sorriu para o mundo quando eu já não acreditava ter mais nenhuma lágrima para derramar. Você me condenou por pecados que há muito eu já havia me redimido por não os ter cometido. Você mentiu. E me deixou sozinha como disse que eu nunca estaria.
Você tomou nos braços outro corpo que não o meu, sepultando sonhos que antes dera asas para voar junto aos teus. O teu poder de destruição foi gigantesco... Você devastou um mundo inteiro que construí para te esperar. Você se manteve no mesmo lugar sem se importar. Tornou-se surdo aos gritos lancinantes e aos apelos mudos. Tornou-se cego ao que ofereci mesmo quando dizia que era tudo o que queria, era tudo o que precisava pra seguir, era tudo o que eu tinha. Você deixou que acreditasse no que não existia, maculou o universo que da dor eu reerguia. Pra você, eu destruí todos os muros e no lugar, construí pontes para que você pudesse atravessar em segurança.
Você continuou seguindo o teu caminho. Mas deixou aqui teu rastro, tua sombra, um amontoado de cacos, estilhaços pontiagudos de um espelho que não mais refletia tua imagem. Você me deixou soterrada por escombros, perdida num mundo que eu já não reconhecia, você levou de mim tudo o que havia. E agora, o que espera que eu diga?



Rosana Ribeiro



"...Já te matei mais de mil vezes
Mas teu amor sempre me vem
Então me diga quantas vidas você tem?..."

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