segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Nada do que fizessem dali para a frente conteria o que sentiam. Não havia necessidade de álcool ou qualquer entorpecente. A paixão já os embriagava de tal maneira que nem mesmo o alimento era preciso. Alimentavam-se de si mesmos. Sorviam as palavras que proferiam e, com o otimismo típico dos ingênuos que se apaixonam, tentavam enganar e reter o próprio tempo que insistia em transcorrer tal qual a realidade, depressa demais.
O sexo era só o alívio, o que importava, na verdade, era a presença. Estar diante do outro, para o outro era o que cada um precisava. Nada havia de sublime na conjunção carnal. Não eram transportados para nenhum estágio mágico, ao contrário, eram transportados ao próprio inferno deles, pois quanto mais se possuíam, mais se queriam. Mais necessários eram um para o outro, numa constante e dolorosa busca. Precisavam também do mundo fora deles, ainda que o repudiassem com veemência, apenas para poder se entorpecer com o ópio daquele sentimento que não tinha nome.
E só a tola esperança já os fazia crer que eram fortes o bastante para vencerem o mundo em que viviam. Tolamente acreditaram que seguiriam em frente juntos, por todo tempo, sem qualquer obstáculo, dispostos a enfrentar todo temor. Até que se assustaram com a imensurável força do destino, contra o qual eles nada eram. Deu-se então a dança dos erros. Nunca propositais. Apaixonados nunca erram de propósito, erram apenas com o louco propósito de reter para si o outro.
Amaldiçoaram o sentimento que os fazia melhores, únicos, lutaram contra si mesmos, renegaram-se e repeliram-se pela ilusão das mentiras, pelo medo da dor, do infortúnio e do próprio amor. Revelaram-se, um para o outro, monstros ferozes que eram lutando por si mesmos, e dessa vez, contra si mesmos.
Mascararam a paixão com mágoa. Odiaram-se. Fizeram-se indiferentes um para o outro. MOrriam a cada dia de fome e sede diante do banquete que eram eles. Talvez até chorassem sozinhos na solidão dos seus quartos, no escuro silêncio da noite quando julgavam que não podiam ser ouvidos.
À parte a dor, procuravam-se todos os dias nos detalhes cotidianos, sem que um soubesse da busca do outro. Armaram-se com outras pessoas num gesto desesperado por proteção, querendo, no fundo, apenas sentirem-se seguros e menos dilacerados pela dor da ausência. Mentiram para si mesmos que a vida continuaria igual e talvez até melhor, mas já não se importavam em crer.
Ainda assim, queriam quase com total desespero, estar juntos mais uma vez. Como se nessa única vez pudessem dizer tudo o que não fora dito, desfazer todos os mal-entendidos, reconhecer que o sentimento vivia e seguia com eles. Precisavam, apenas, mais uma vez, vampirizarem-se, resgatando no outro a própria força. Eles podiam. Só não sabiam como. Porque uma vez haviam sido cegos pela paixão que esconde as sombras.
Então seguiram, cada qual com sua mortalha no meio dos outros que nada sabiam por não terem amado daquela maneira.
E, por mais distantes que julgassem estar um do outro, estava, cada vez mais perto, mais atentos, mais amargos, mais conformados com o destino. Mais sozinhos. Tudo porque haviam se perdido e sabiam o caminho de volta.


Rosana Ribeiro 12.Agosto.2006

Para Jean Luvisoto. Pour toi, mon chér.

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