sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Do Abismo


Há dias a sensação persistia. Muitos dias. Horas que se perdiam na vastidão do tempo, transcorrendo rápidas demais, deixando-a aturdida. A sensação de estar atravessando um abismo numa fina e fragilíssima corda estendida quase com precisão cirúrgica. A vida era a corda. Ele era o abismo.
E havia também o medo. O medo de ficar, o medo de partir, o medo de se atirar no ar e não encontrar a mão para se segurar. Ainda que se fizesse brisa e voasse com o próprio vento, não queria ir para longe. Pelo menos não tão longe a ponto dele não mais encontrá-la por perto, ao alcance de suas mãos de flores, sóis e canela. E quando ele acenava, de longe, com essas mesmas mãos que pareciam lhe oferecer todo o mundo, ela fechava os olhos de medo. Tinha medo de que fosse apenas uma ilusão de ótica quase palpável. Tinha medo de que ele fosse real e estivesse mesmo, como sempre desejara, perto demais a ponto de poder tocá-lo sem que se esvaísse qual fumaça diante de seus olhos. Tinha medo de deixá-lo ser mais em si, ele que já era tanto e tão imenso. Tinha medo de encontrá-lo em todos os vãos e frestas de si mesma, sem que restasse qualquer lugar onde pudesse se esconder, caso fosse preciso. E sempre era.
Na verdade, ela queria a certeza de que a mão dele estaria ali, do outro lado do abismo que era ele, esperando por ela, para que não caísse sozinha no mesmo abismo que eram os dois juntos. Queria os dois juntos, seguros, na corda bamba, ainda que exaustos de se equilibrarem na vã tentativa de fugir do inevitável que eram eles. Juntos. Ali. Na verdade, entre a corda e o abismo, entre a vida e os dois. E entre a vida dos dois.
Mas algo nela havia de pássaro e queria abrir as asas, alçar vôo, fugir das sombras e elevar-se acima dos dias sem sentido. Percebera, numa fração de segundos, que enganara-se. Não havia mais espera. Com o pouco de coragem que restara, batera as asas para longe. Não sabia onde se encontraria. Mas naquele abismo tinha certeza de que não seria.

Rosana 18.julho.2009

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