sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Do Silêncio


Então no fim era apenas isso. Um vazio como se toda a existência fosse um nada. Todas as suas crenças foram testadas e, como conseqüência disso, perdera a fé. Nos homens e principalmente em Deus. Até porque, só devemos confiar em quem conhecemos bem. E quem nunca se mostrou não devia merecer a confiança que tantos depositavam cegamente Nele. Escutara isso na televisão e viu que realmente fazia todo o sentido.
Tentara, em todos os últimos anos, entender o verdadeiro “milagre” ou sentido da vida e agora, caminhando pelas ruas sob o ar gelado que já durava muito, na sua opinião, chegara à conclusão que a vida era totalmente sem sentido. Deus, se é que ele realmente existia, que a perdoasse, mas a Sua conduta em milhares de anos, sinceramente, deixava muito a desejar. Desde a sua criação, o mundo era um verdadeiro caos, cheio de barbáries absurdas, insanidade, sofrimento. Como se fosse uma enorme e purulenta ferida que corroesse lentamente algum membro, proliferando vermes até a morte.
Viver, pelo menos na sua curta experiência, era brutal. Uma verdadeira ignorância nascer para somente lutar, sofrer e morrer, sem um pingo de felicidade(outra coisa que também deixara de acreditar). Não conhecera ninguém feliz em toda a sua vida. Achava que o que as pessoas acreditavam ser felicidade era apenas uma tranqüila resignação diante dos fatos imutáveis da própria vida. Viver é estar sangrando o tempo inteiro, às vezes de forma lenta, outras, como se a aorta estivesse exposta, jorrando. Viver era como se lançar em mar aberto em noite de tempestade, sozinho numa canoa. As pessoas viviam porque nasciam, sem pedir, claro! Até porque se soubessem bem o que seria viver, jamais cometeriam essa loucura. Viver era doloroso e absurdo. E insensato. Trabalham anos a fio, exaustivamente, apenas para pagar suas contas, porque na verdade têm é que sobreviver, da maneira que conseguem. Apenas pra morrer depois de tanta luta. A vida era isso: lutar até a morte, que às vezes demorava anos até chegar como grande alívio.
Entre o nascer e o morrer as pessoas planejam, almejam. Acreditam que se conquistarem algo que muito desejam se sentirão realizadas. Mentira. Somos ocos. E maus em nossa essência. Se existisse bondade natural no ser humano, ele não precisaria de educação, que lhe ensinassem o que é certo e/ou errado. E Deus, que alguém desde o início dos tempos nos ensinou a acreditar e a temer, mais provavelmente na ordem inversa, ou é surdo ou incrivelmente cruel, como se tivesse criado esse mundo apenas para se divertir, como se fosse uma espécie de arena em que ele soltava monstros que Ele mesmo aperfeiçoava com o passar dos tempos, criando seres que se superavam em abominações a cada geração. E depois de milhares de anos, não satisfeito, teimava em manter seu brinquedo preferido, tal qual uma criança cheia de mimos.
O que Ele espera que aconteça? As pessoas clamam Seu nome, suplicam desde o início dos tempos, com a vã esperança de que as coisas melhorem ou pelo menos não piorem mais. Nada acontece. Apenas numa coisa acreditava agora: de tudo o que acontecia ao ser humano, nada havia que fosse mérito de outrem. Não havia sorte, azar,destino. Apenas pessoas que já nasciam com um cansaço enorme para essa vida, como se já prevessem o que os aguardava.
Continuou caminhando pelas ruas. O frio era cada vez mais cortante. Intimamente, pedia fervorosamente que aqueles pensamentos não tomassem conta da sua mente,da sua vida. “Deus, por misericórdia, gosto de pensar, mas ficarei louca se a lógica for exatamente essa. Tenho o poder de acabar ou prolongar o meu sofrimento. Estou cansada demais até para acreditar em Ti. Então, se Você realmente existe, a hora de fazer um milagre é agora. Não quero mais. Não consigo mais dar um passo nesse imenso palco de insanidades no qual fui brutalmente arremessada. Se Você tem alguma coisa contra ou ao meu favor, fale agora ou cale-se para sempre. Porque sinto que o tempo está se esgotando e até hoje não vi um milagre, nem mesmo a bondade no coração do homem, muito menos no meu. Sei que sou apenas um dos vermes que se alimentam da carne da ferida exposta. Não sou menos nem sou mais, sou igual. É por isso mesmo que não suporto mais nem me olhar no espelho, porque vejo apenas sinais de cansaço, o tempo se esgotando e a falta de sentido em continuar caminhando. Fale agora...”
Os carros passavam pela movimentada avenida, pessoas caminhavam apressadas, outras em total abatimento, desesperançadas, destroçadas porque também não eram ouvidas e estavam tão ou mais cansadas que ela. Apesar de todos os sons, não ouvia nada. Então no fim era isso. O vazio. Entendeu o silêncio.

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