sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Do Outro Lado


Deitado em sua cama, ele olhava o teto enquanto sentia-se oprimido pelas paredes do quarto. Parecia que ultimamente nenhum lugar o comportava. Seu pensamento vagava, embora diversas vezes tentasse evitar que chegasse à única lembrança que agora se esforçava para esquecer, mesmo sabendo que seria em vão, já que aqueles olhos, de uma cor indefinida entre o verde e o castanho, insistiam em se mostrar a cada vez que fechava os seus.
Então deixou que ela o invadisse de vez, talvez assim fosse mais fácil acabar com as recordações. Não sabia de onde ela havia surgido, mas irrompeu em sua vida com força e violência típicas dos acontecimentos inesperados. A imagem da mulher segura não condizia com os sentimentos de menina quando ela se mostrava indefesa para ele, sempre pronta para ele, sempre ávida por ele. Adorava as ruguinhas que se formavam ao redor de seus olhos quando ela sorria...
Sorriu diante dessa lembrança quando o desejo o invadiu. Pensou no corpo branco e quase frio enquanto ele não a aquecia. Pensou na maciez da pele, na entrega absoluta com que ela se oferecia inteira para ele, corpo e alma, mente e coração, impossível não querer mergulhar de uma só vez dentro daquele corpo que lhe trazia alívio e do qual ele não tinha a mínima vontade de se ausentar, da mistura dos cheiros, dos pensamentos e sentimentos que atropelavam os dois com a velocidade da luz. Aquele corpo branco, cálido, era seu abrigo, sabia disso embora tentasse dissimular e negasse o fato até mesmo para si. Aquela mulher era seu maior inferno, tudo o que sempre temera se personificava nela. Tudo o que sempre desejara se encontrava nela, que se entregava numa oferta muda.
Impossível descrever alguém como ela. Era apenas ela, com sua bagagem de perdas e danos ao longo dos anos que já vivera. Era única. E povoava seus pensamentos, seus sonhos, sua cama, seu mundo, seu vazio. Ela descobrira sua solidão e não se assustou, pois era tão só quanto ele e seu mundo também era repleto de fantasmas e sombras.
Tudo de mais improvável acontecera. Tudo de doloroso e cruel os jogara de volta à realidade, que no fundo era tão simples de ser resolvida, embora ele mesmo não enxergasse um caminho adequado para que sua vida voltasse a ser exatamente igual ao que era antes que aquela mulher surgisse na sua frente no final de uma tarde tediosa e frustrante da sua rotina.
A força com que os dois enfrentaram o mundo não fora suficiente para que ela desistisse de ficar na sua vida nos primeiros dias. Mas para sua surpresa, mais uma vez, ela jogou tudo para o alto e abandonou o que não queria mais, o que não entendera nem conseguia lidar. Simplesmente fora embora e ele nem mesmo tentou detê-la. Era determinada demais, passional demais, forte demais até mesmo quando demonstrou sua fraqueza, suas lágrimas e sua impotência diante dele uma única vez.
Não sabia onde ela estava agora. A noite estava nublada e fria. O quarto o oprimia e não havia nenhum lugar para onde ir ou onde quisesse estar. Só sabia que a queria perto, mesmo que fosse para compartilhar o silêncio como tantas vezes. Tinha medo de admitir para si mesmo que ainda a queria, desgraçadamente, quase como uma doença sem cura. Queria estender sua mão e toca-la, mas a cama estava vazia. Queria ter a coragem que ela acreditou que tivesse para poder ao menos dizer a ela da necessidade brutal que sentia da sua presença, só para saber que estava ali, com aquele olhar meio infantil e seu sorriso inseguro. Queria não ter que saber de tudo isso, queria estar do outro lado, queria ter dito a ela que o esperasse, que um dia todo o tumulto em seu coração se acalmaria. Queria apenas que ela soubesse que ainda a amava hoje, mas sequer sabia onde estava.

Rosana Ribeiro 2005
Para Jean Luvisoto.

3 comentários:

Unknown disse...

que bom que voltou...

passando prá deixar uma excelente semana!

abraços.

rubenita, de SAMPA

aluaeasestrelas disse...

Muito lindo... Profundo, de um jeito que faz a gente pensar...
Bjos!

Rosana Ribeiro disse...

A vcs que passam por aqui, muito obrigada!!!
Bj!