sexta-feira, 16 de outubro de 2009


Ela não saberia dizer como tudo aconteceu. Acreditava que havia sido numa manhã de do-mingo, dia temido por muitos. Mas também poderia ter sido um processo lento, do tipo daquelas doenças que se alastram lentamente pelo organismo são, destruindo tudo: metástase. A segunda opção era a mais provável, pelo menos nesse caso, já que a desolação não acomete ninguém de uma hora para outra, se assim fosse, seria o horror e não desolação. E ela sabia muito bem a diferença entre esses dois sentimentos.
Caso alguém lhe perguntasse, não saberia dizer muita coisa, pois havia muito a descobrir para si mesma, digerir, tirar as próprias conclusões antes de repassar qualquer informação. Mas a maldita dúvida persistia: como foi que isso aconteceu?
Ela simplesmente acordara nessa estranha manhã de domingo, que nada tinha de diferente das outras desse mesmo dia, sentindo-se absurdamente oca. Não, oca não seria a palavra certa para definir seu estado. Mutilada caberia melhor. Sim, porque há muito convivia com esse sentimento para simplesmente acordar numa manhã e... puff!!, ver que ele subitamente tinha evaporado, como se nunca tivesse existido, como se fosse uma fantasia que criara para si mesma e, de repente, se cansasse dela, querendo viver e inventar novas aventuras. Por isso sentia-se mutilada. Porque algo lhe faltava. E isso a estava incomodando. Fora assim durante todo o dia, à noite também.
Procurava pelas palavras e percebia que elas desertavam, não queriam explicar o que não sabiam, bem como ela. Tentou dormir para ver se o dia passava mais depressa e com ele, essa sensação de dor vazia, de falta de sentido para o dia seguinte. Mas rolava na cama, de um lado para o outro. Ela caminhava pela casa como se procurasse por algo que não soubesse o que era, como se houvesse perdido algo imprescindível cuja falta a impediria e continuar.
Pensou em dezenas de alternativas para aquele momento. Tudo bem, poderia mesmo ser uma melancolia repentina e passageira, isso já acontecera antes, não era a primeira vez nem seria a última. Podia ser saudades, podia ser preguiça, podia ser vontade de viajar pra onde não conhecia, podia ser falta de um abraço bem apertado, do som de uma risada misturada à sua. Podia até mesmo ser algo mais sério, como a constatação de um fato. E ela analisou todas as possibilidades. Optou pela última. Com o passar dos anos e das experiências acumuladas (leia-se várias mancadas federais, com direito a tombos, escoriações e cortes profundos), aprendera a ser prática, pelo menos no que dizia respeito a si mesma. Quando se tratava de sofrimento, preferia sangrar todas as dores de uma só vez. Assim também passava mais rápido. Ou não.
Foi então que ela o viu lá. No meio de seus questionamentos mais profundos, às vezes ace-nando com um sorriso tímido, outras com a mão estendida, pronta para se entrelaçar com a sua, ou os braços abertos oferecendo um abraço. Só que entre os dois havia uma porta entreaberta. Era só pela fresta que podia vê-lo. A dúvida quase cruel era se escancarava a porta ou a fechava de uma vez, deixando que, sabe-se lá o quê, os separasse em definitivo. E se resolvesse escancarar a porta? Além dele, o que haveria do outro lado? E se estivesse tão cansado quanto ela até mesmo para acenar uma despedida?
Estava exausta das perguntas sem respostas, dos passos dados na direção do improvável, cansada de sempre ter que tomar as decisões, de ter que parecer forte todo o tempo como se não lhe fosse concedido nem mesmo o direito de se cansar e gritar um sonoro “foda-se” a tudo e a todos. Estava exausta até mesmo de esperar por ele, que mantinha a maldita porta entreaberta de propósito, que não dizia nada, que talvez esperasse que ela adivinhasse suas vontades e seu futuro. Será que ele sabia que ela não podia tanto? Será que ele esperava que ela lhe indicasse um caminho? Ela que há tempos atrás dissera pra que não seguisse por ali e ele respondera que não havia como voltar atrás. Ok, mas não esquece que nesse caminho tem bandido, tem mocinho, tem fera, tem bicho, tem princesa, tem lobo mau e solidão feroz. Teu conto de fadas é diferente do meu, boy. No meu o final feliz acontece no meio porque a gente pode de repente decidir que não quer o fim da história de tão boa que é pra viver e contar. No teu, o fim acontece mesmo é no começo, e tem estrada árida, sem cor, sem graça, sem a gente rindo depois de termos nos embebedado com vinho tinto no chão da sala, sem música que nos cala, sem silêncio que nos fala, sem pôr-do-sol avermelhado, sem frio na barriga de nervosismo e ansiedade, sem beijo de fome, sem abraço apertado, sem tesão de verdade, daqueles furiosos mesmo a ponto de assustar, lembra? Eu nunca esqueci... por isso continuo aqui, atrás dessa porta.

Nenhum comentário: