quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Ele tinha os olhos mais tristes que já vira. E eram doces. E a acompanhavam com verdadeira adoração quando ela seguia, para onde quer que fosse, desfilando para ele num jogo de provocação quase cruel.
Ele a observava sempre com seus grandes olhos tristes. Desenhava cada detalhe do seu rosto e do seu corpo em sua mente. Nada havia de segredo no que podia imaginar.
Quase todas as manhãs ele estava lá, olhos tristes e atentos. Nenhum detalhe dela se perdia para ele. Sabia que gostava de flores, não rosas, comuns demais para ela, mas gérberas que explodiam cores, orquídeas resistentes, sutis em sua força. Sabia também que gostava da chuva só da sua janela, mas algumas vezes deixava-se banhar por ela. Talvez quando precisasse lavar de si alguma dor de amor para continuar seguindo livre por suas ruas, onde ele a perdia de vista. Seus olhos não a alcançavam.
Seua olhos tristes se alegravam com o sorriso fresco de cada manhã. Esperava por ele a cada noite. Compromisso com hora marcada. Alimento diário que o nutria.
Ela nada sabia, mas ele estava ali. Sentinela a postos em cada madrugada que ela surgia, princesa de seu conto de fadas. A delicadeza estava naquilo que ela não revelava, mas ele sabia. Fora descobrindo aos poucos a mulher de olhos claros e passos seguros.
Sorria sempre de onde ela não via, quase encantado pelo som cristalino da sua voz somada a das crianças no parque. Até mesmo as crianças paravam quando ela surgia, silenciando as vozes e esperando também pelo sorriso, os olhos divertidos ao se juntar a elas na brincadeira.
Sabia que ela gostava de se equilibrar no meio-fio das calçadas, de brincar, divertida, com os paralelepípedos da rua quando julgava não ser observada. Só os olhos dele a seguiam. Tristes e atentos.
Ele a via brincar com os cachorros na rua, a correr apressada para o trabalho, praguejando baixinho pelo atraso. Via também as sombras da janela enquanto ela dançava como uma cigana. Ouvia a música e lembrava dos seus olhos com brilho infantil e o som do riso cristalino. como ela podia não gostar de rosas quando as pétalas rubras cobriam seu corpo branco em seus sonhos? Era a única coisa que não sabia dela.
Sabia também que ela era só. a sua solidão transparecia em seus olhos claros quando cruzava com os seus, escuros e tristes.
Gostava de vê-la chegar no meio de uma tarde qualquer, pegando-o de surpresa. E também nas noites, quando ela trazia consigo todo cansaço do mundo, olhos que se nublavam.
Ela gostava do sol. Vê-lo morrendo no horizonte, fogo poste em seus cabelos longos e negros, colorindo o rosto branco na janela, olhar perdido em um passado que ele jamais conheceria.
E numa noite silenciosa, ela surgiu envolta nas brumas que se faziam nas ruas. Não havia vento. Nem lua. Só ela nua na janela. Corpo claro estilhaçando a escuridão. Visão etérea de mulher e fera. Delicadeza de flor, bruxaria de feiticeira. De onde ele estava podia enxergar o brilho dos olhos acesos pelo vinho tinto, o preferido dela. Pensou que fosse enlouquecer ou se cegar ante a imagem dela na janela. Respirou mais fundo e sentiu o aroma de rosas que ela exalava.
Nessa noite ela o viu. "Que olhos tristes ele tem!". Os olhos mais tristes que ela já vira depois dos seus no espelho, mas sabia que disfarçava bem. Compadeceu-se com aquela tristeza que por vezes sentira também. Quem seria aquele que a observava de sua janela?
Na manhã seguinte, um tapete vermelho de pétalas se estendeu para ela em sua porta. Recolhera todas. Vestiria-se com elas mais tarde. Apaixonou-se pelas rosas rubras.


11.Junho.2007
Para Jean Luvisoto, mon enfant... fonte de toda e qualquer inspiração...

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